Memória Histórica das Almadravas de Sesimbra: A Pesca do Atum

atum-almadrava

Do hispano-árabe «lugar onde se golpeia», as almadravas eram armações móveis, introduzidas na Baía de Sesimbra por volta dos séculos XIII/XIV por iniciativa de D. Dinis. Destinando-se à pesca do atum, podiam, contudo, capturar outros espécimes de grande porte, nomeadamente espadartes. Lançadas, até ao século XV, a partir da praia, de acordo com Gomes Pedrosa, «A primitiva almadrava […] era constituída por duas redes, a sedal e a cinta. Quando, de uma das torres, o vigia assinalava a passagem do cardume, lançava-se de terra a sedal em semicírculo, de modo semelhante ao das xávegas modernas, e depois a cinta, envolvendo-a por completo a uma certa distância para evitar a fuga dos atuns que escapassem do sedal; as redes eram depois aladas para terra até os atuns poderem ser apanhados com croques ou bicheiros providos de ganchos de ferro».

O significativo volume de pescado capturado nas águas sesimbrenses fez com que D. João I atribuísse a primeira carta de privilégios a favor dos pescadores de Sesimbra, tendo, na segunda metade do século XV, D. João II promulgado uma Carta para os Mareantes da Ribeira. A revolução técnica ocorrida durante o século XV em todos dos tipos de redes, no decurso de inovações mediterrânicas e galegas, conduziu à implementação, nas costas abrigadas de Sesimbra e do Algarve, de uma almadrava com uma parte fixa e outra móvel.

Apresentando um corpo mais ou menos retangular, o novo tipo de armação era composto por buxo, rabeira, cassa, guias e cordas. As redes móveis eram atiradas ao mar e o cardume direcionado para o interior da armação fixa. Para além de terem permitido incrementar o volume de espécimes capturados, os dividendos decorrentes desta atividade contribuíram, de forma incontornável, para o amplo desenvolvimento económico experimentado pela Póvoa da Ribeira de Cizimbra a partir do século XV. A rentabilidade dos piscosos mares de Sesimbra levou a que D. Manuel I concedesse, por alvará de 1506, privilégios aos sicilianos que pescavam nas almadravas do Algarve, incluindo os «pescados que traziam das almadravas de cezimbra», considerando os seus bancos de pesca como os «mais ricos». Com efeito, esta atividade seria tão rentável para a Coroa que, em 1526, terá rendido à Fazenda Real, em temos globais, cerca de 6.280.000 réis, sendo, em 1588, as suas receitas superiores às do monopólio do Pau-Brasil.

No século XVI, estas armações, geralmente de propriedade régia, empregavam companhas compostas por 3 a 4 mandadores ou atalaias, 32 armadores e alguns criados. Os mandadores esperariam nas atalaias, estruturas construídas ao longo da costa para localização dos cardumes, a chegada dos atuns e depois dirigiam a manobra do cerco. De acordo com a documentação até ao momento recolhida, em 1550 Sesimbra possuía, pelo menos, uma almadrava, a do Cavalo; duas em 1577, a do Risco e do Cavalo; cinco em 1610; duas em 1620, “Risquo” e “Balieyra”, e seis em 1636, Cavalo, Risco, Água Branca, “Amea”, Balieira e Abitureira. Até ao século XVI, as armações capturavam preferencialmente o atum «de direito», ou seja, aquele que ia em direção ao Mediterrâneo para desovar, e que era mais valioso. Posteriormente, passaram a pescar o que fazia o caminho oposto, sendo este denominado como atum «de revés», encontrando-se este facto documentado num alvará de 1569. Os elevados lucros auferidos por esta atividade fizeram com que se sucedessem as investidas dos corsários às armações, não tendo, neste domínio, Sesimbra constituído exceção. Com efeito, um documento de 1655, do conselho de guerra de D. João IV, refere o ataque de uma armada muçulmana, composta por sete naus e sete lanchas, à armação da “Balieira”, facto que fez com que o sargento-mor da vila, Luís Soares Barreto, pedisse auxílio ao rei. Tendo laborado, pelo menos, até ao século XVIII, as antigas almadravas atuneiras marcaram um momento áureo da pesca sesimbrense, sendo, ainda hoje, observáveis na nossa costa algumas estruturas que indiciam tratar-se de primitivas atalaias do atum.

Andreia Filipa Conceição
in Sesimbr’Acontece Setembro de 2012


Bibliografia:

CALIXTO, Carlos Pereira (1981) – Francisco Matos Machado, Capitão-Mor de Sesimbra, Apontamentos para a História das Fortificações Marítimas.
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PEDROSA, Fernando Gomes (2009) – O Declínio do Poder Naval Português: a Marinha, o Corso e a Pesca nos Inícios do Século XVII
Cascais: Câmara Municipal de Cascais.

PEDROSA, Fernando Gomes (2000) – Os Homens dos Descobrimentos e da Expansão Marítima. Pescadores, Marinheiros e Corsários
Câmara Municipal de Cascais.

PEDROSA, Fernando Gomes (1986) – A Evolução das Artes de Pesca em Portugal
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PEDROSA, Fernando Gomes (1985) – Para a História da Pesca em Portugal
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