Traje do Pescador

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Em meados do século passado já não eram preponderantes, na paisagem humana sesimbrense, as imagens vivas dos pescadores com o seu traje ou indumentária tradicional. Esse traje, abrangendo tudo quanto revestia o corpo da cabeça aos pés, teve certamente origem na necessidade de adaptação às condições naturais do meio ambiente, e manteve-se durante longos tempos sem grandes alterações nos seus traços essenciais.

Segundo uma investigação, na qual colaborámos, para um estudo feito na década de 60, sobre o traje popular nas terras piscatórias do distrito de Setúbal, o traje do pescador de Sesimbra obedecia a uma certa sobriedade e uniformidade, com cores habitualmente escuras que iam do castanho ou cinzento até ao preto.

Do que temos memória e as fotografias documentam, o seu traje clássico era assim constituído: calça comprida afunilada na canela, feita de tecidos de lã grossa como a saragoça ou o surrobeco, com bolsos à frente, por baixo da qual vestiam ceroulas de flanela, abotoadas na cintura e com uns atilhos na perna; camisa de algodão ou de baeta, às riscas ou axadrezada, com colarinho abotoado sobre o ombro, a que davam o nome de mirosca e sobre ela vestiam camisola de lã ou jaqueta de pano pardo. Uma cinta de lã preta cingia-se à cintura com duas voltas, segurando a calça, e a cabeça era coberta por um barrete, também preto, tecido em forma de manga, com uma borla ou cadilho na extremidade, que ficava pendente sobre o ombro esquerdo, e dentro do qual guardavam a onça de tabaco e as folhas de papel de mortalha, para fazerem o seu cigarrinho, bem como a caixa de fósforos.

Embora na maior parte do tempo andassem descalços, quer a bordo quer em terra, usavam tamancos calçados sobre
meias de malha de lã, sustidas pelos atilhos das ceroulas. O uso dos tamancos esteve até ligado à toponímia popular, visto estar na origem do nome de uma rua, a “Rua do Quebra-Costas”, que é a actual Rua D. Sancho I. Como é sabido, o primitivo troço desta rua, dado o seu acentuado desnível, está formado por uma sucessão de degraus até ao seu termo, na antiga “Rua da Praia”, hoje Rua Dr. Peixoto Correia. Por isso, muitos pescadores que a desciam, mais apressados ou distraídos, em direcção à praia, eram vítimas de quedas, de que saíam magoados ou feridos, por vezes com gravidade.

Em virtude dos acidentes e dos ruídos que provocavam, os tamancos viriam a ser substituídos pelas botas de borracha, de meio cano, as quais, para além de mais leves, tinham a vantagem de poderem entrar na água sem que o seu portador molhasse os pés ou a roupa.

Foi a partir dos anos 30 que, a par da motorização das embarcações, com os combustíveis a suprimirem o esforço dos remos ou as contingências da navegação à vela, se verificou o abandono do traje típico dos nossos homens do mar, marítimos ou pescadores. Passaram então a ver-se as camisas de flanela quadriculada, abertas no peito e de mangas arregaçadas, e as calças de pano dobradas até aos joelhos para deixar livres as pernas nuas como os pés. A cinta foi dando lugar aos cintos de cabedal e o antigo barrete substituído pela boina ou pelo boné, que ganhou a primazia e ainda hoje é de uso corrente.

Tudo isto, obviamente, quanto ao vestuário de trabalho, fosse no mar, na praia ou nos estaleiros, com tempo de feição. Com os Invernos, frios e molhados, protegiam-se com o “fato de oleado” confeccionado em pano cru, depois  embebido em óleo de linhaça para o impermeabilizar e que, depois de seco ao sol, ficava com uma coloração amarelada. Era composto por três peças: o casaco ou “japona”, a calça e, tapando a cabeça, o “sueste”, uma espécie de chapéu de formato irregular, mais largo na parte de trás para cobrir a nuca, de abas caídas e preso sob o queixo por um francalete sem fivela.

Calçavam então botas de borracha de cano alto, as chamadas botas de água. Quando embarcavam para a faina levavam o “saco aviado”, isto é, eram portadores de um saco de brim, que tinha o nome de “maquino”, contendo o seu farnel, a pequena refeição que tinham durante as longas horas passadas no mar.

Havia também um traje domingueiro, para as festas, a missa e demais actos religiosos, que designavam por “fato de ver a Deus”, em tudo semelhante ao que era usado pelos homens de terra, e formado por fato inteiro, por vezes feito com tecidos de qualidade como a caxemira, camisa e gravata com o respectivo alfinete, cinta de lã de merino, peúgas de lã ou algodão com sapatos de cabedal e na cabeça, chapéu redondo de feltro. Como adereço, destacava-se o relógio de bolso com a respectiva corrente de prata, presa no colete.

António Reis Marques
in Sesimbr’Acontece de janeiro de 2011