Peixe de Sesimbra

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Ah! O saboroso peixe de Sesimbra. São muitas, e de todos os tempos, as referências encomiásticas ao valor do nosso pescado. Os veneráveis pergaminhos que enobreceram a vida sesimbrense deveram-se, principalmente, à quantidade, qualidade e variedade do seu peixe. Ainda que não seja novidade, será sempre de recordar que no século XVI não só Camões deu à nossa terra o cognome de “Piscosa”, como André de Resende na sua obra, Antiguidades da Lusitania, deixou escrito que “no mar piscosíssimo de Sesimbra se apanha uma quantidade de peixe muito bom, de tal modo que da vizinha Espanha acorrem tantos compradores que enchem as estradas”. Depois, foi Duarte Nunes de Leão, na sua interessante Descrição do Reino de Portugal, a dizer: “no mar de Setúbal e de Sesimbra, sua vizinha, há mais sardinha e mais saborosa que se pode dar, a qual, além de sustentar o reino, se leva por mar a outras partes e por terra ao reino de Castela, para onde sai grande carregação até à corte de Madrid”.

Tinha plena legitimidade a apologia feita, pelos clássicos, às nossas espécies piscícolas, dada a sua multiplicidade, frescura, gosto, bondade para a saúde e fácil digestão. E se à situação geográfica, que nos favoreceu com o fertilíssimo planalto continental, e à riqueza planctónica das suas águas, devemos a abundância, a que mistério da natureza se ficou devendo a singularidade do seu sabor, o mais extraordinário dos seus predicados?

Com tais propriedades o nosso peixe tinha, naturalmente, a predilecção dos consumidores, sendo o preferido nos vários mercados do país, particularmente no de Lisboa onde chegava diariamente e, com a simples menção da sua procedência, fazia subir a procura e a respectiva cotação. É bem conhecido o estado de espírito dos nossos conterrâneos que, vivendo longe, anseiam por vir à terra saudosos do cheiro a maresia que tudo impregna e de saborearem um peixinho fresco do seu mar, quer seja daqueles de lombo alvo e rijo quando cozido, quer seja dos que têm épocas em que só devem comer-se grelhados, ou ainda uma das bem condimentadas e olorosas caldeiradas à sesimbrense.

Embora os hábitos alimentares se tenham alterado, ainda há quem aprecie a cozinha de coisas simples, genuínas e ao mesmo tempo acessíveis e apetitosas como são os pratos de peixe. Ainda que o peixe seja um alimento de grande versatilidade, pois combina bem com outros produtos, todos sabemos que actualmente as preferências vão para os grelhados, principalmente para as sardinhas, que nesta altura do ano estão mais gordas e gostosas. Há entre nós quem saiba muito bem assar peixe, o que implica uma técnica, ou uma arte, que nem todos dominam.

Diz-se que comer é um dos maiores prazeres do homem, visto ser o único que permanece quando todos os outros já se foram. Degustar um bom peixe, constitui de facto um prazer. São cada vez em maior número as pessoas que vêm a Sesimbra para comer peixe, o que não significa que comam sempre peixe pescado nas nossas águas, como antigamente acontecia, porque hoje a nossa oferta está longe de corresponder à procura.

Todavia, a maneira de o apresentar, basta ver como são aliciantes os mostruários dos restaurantes, de o confeccionar e servir supera satisfatoriamente essa anomalia.  O que nos parece mais anómalo é que vão escasseando os locais onde as pessoas se possam sentar e comer umas boas sardinhas assadas, como era costume ver-se, em plena rua, principalmente durante a quadra dos santos populares, ou nas lojas de companha dos nossos pescadores, donde emanava o seu odor inconfundível e irresistível.

Foi por sinal numa loja de companha, e feita por pescadores, que comemos as melhores caldeiradas e sardinhadas. E ficámos a admirar o saber desses homens, que tudo conheciam acerca dos peixes e, quanto às sardinhas, diziam saberem melhor se fossem descansadas na grelha, ligeiramente afastadas da brasa para não assarem demasiado, e comidas à mão. Na verdade, como era agradável comê-las assim, colocadas sobre uma fatia de pão caseiro, cozido em forno de lenha e, com os dedos, ir separando a pele que se soltaria facilmente se o tempo de fogo fosse o mais certo, puxandose depois os gostosos e suculentos lombos.

António Reis Marques