Peixe Agulha ou Espadarte

peixe-agulha-espadarte

Em Sesimbra toda a gente o conhecia por peixe agulha, embora também fosse nomeado por espadarte. Trata-se, portanto, de um peixe que, como tantos outros, tem duas denominações, ambas originadas pela particularidade da sua maxila superior ser alongada em forma de agulha ou de espada. Convenhamos que espada é bem mais adequado que agulha, pois traduz melhor o formato. E como é sabido existe um outro peixe, mas de tamanho reduzido e inconfundível na sua forma que, por isso, se chama simplesmente agulha.

Peixe agulha é designação antiquíssima, que sempre foi usada pelos nossos pescadores, do peixe que era pescado a bordo das barcas do alto, e em pesqueiros que ficavam a algumas milhas a sul e sudoeste do Cabo Espichel, o que obrigava a viagens de mais de duas horas. Era uma espécie que aparecia habitualmente nesses mares, por alturas de Setembro, e a sua pesca teve como protagonistas mais destacados uma companha de famosos pescadores, que integravam quatro irmãos, vulgarmente conhecidos pela alcunha de “Os Ratinhos”.

A captura desse tão corpulento como suculento peixe, fazia-se, tal como para os atuns, com linha de mão e isca viva, no caso a chaputa, caracterizando-se pela capacidade demonstrada por aqueles pescadores, não só para detectarem a sua presença mas também para o arpoarem pelo dorso. Sabendo que o peixe agulha emergia quando estava tempo mais quente, um pescador postado na proa do barco conseguia avistá-lo a uma distância considerável , fazendo seguir a embarcação no seu encalço. Entrava depois em acção o arpoador que, invariavelmente, lograva atingir o animal lançando, num enérgico e rapidíssimo impulso, o rudimentar arpão que era um ferro em forma de seta ligado a um cabo de madeira.

Embora o peixe agulha não obtivesse grande cotação na lota, dado que não era exportado, nem tinha a preferência dos consumidores locais, que praticamente o ignoravam, não deixava de ser pescado na época própria e, recordamos, que o maior lanço de que há memória foi de dezanove unidades, com um peso médio entre cento e dez e cento e trinta quilos, que renderam onze mil escudos. Tudo isto acontecia, com regularidade, até finais dos anos quarenta do século passado, época a partir da qual Sesimbra se tornaria num grande centro internacional de pesca desportiva oceânica.

Na verdade, foi nos primeiros anos da década de cinquenta que se registou grande afluência de adeptos da pesca grossa, dada a abundância que aqui encontravam em espécies, cuja captura era considerada como os troféus mais valiosos que qualquer pescador ambicionava. Entre essas espécies contava-se, para além do anequim e do atum, o peixe agulha que, desde então, passou a ser nomeado somente por espadarte. Esse nome tornar-se-ia numa das grandes referências de Sesimbra, na época, devido ao trabalho pioneiro do professor Arsénio Cordeiro, a quem se ficou devendo a revelação da nossa terra como zona favorecida pela natureza para a pesca do famoso gladiador dos mares.

Assim, o primeiro grande passo foi a sua tese subordinada ao tema Pesca Grossa em Portugal, que foi aprovada por aclamação no III Congresso Nacional das Pescas, realizado em Lisboa em 1950. Depois, o seu livro Espadartes de Sesimbra, publicado em 1959, que constitui um estudo valioso, e único, editado em Portugal sobre aquela temática. Entretanto, na sua actividade piscatória, notabilizou-se pelo número de exemplares obtidos, alguns dos quais, pelo seu tamanho, constituíram recordes europeus. Numa das suas últimas estadas na nossa terra ouvimos-lhe dizer, com humor, que o velho peixe agulha, depois de ser tratado por um nome mais sonante, de ser tão procurado por plêiades de pescadores, nacionais e estrangeiros, de ter dado nome a um hotel, que marcou uma época da vida local, de representar uma referência na nossa gastronomia, de ter adquirido tanta fama, surpreendeu-nos com a sua ingratidão pois virou-nos as costas e desapareceu.

E esse grande amigo de Sesimbra, quando falava desses tempos áureos da pesca ao espadarte, tinha sempre palavras de grande encómio para os nossos pescadores, salientando terem sido eles os seus grandes mestres. A esse propósito, dizia até que “aquilo de se conseguir capturar, com arpão, um dos maiores e mais velozes peixes, era coisa assaz admirável”.

António Reis Marques