Os Pregões

pregoes

Os pregões constituíram uma espécie de anúncio oral, de origem muito antiga, que ficaram particularmente associados ao exercício do comércio ambulante. Ainda que, ao longo da história, se saiba do uso dos pregões ligados à proclamação, pelos arautos, das mensagens ou sentenças régias, à leitura de ordens, avisos ou notícias de autoridades eclesiásticas, judiciais, fiscais ou municipais, a verdade é que foi através do elogio cantarolado das mercadorias, que tinha efeitos persuasivos nos ouvidos do povo, que deixou mais funda recordação.

Os pregões tiveram a sua justificação, a sua oportunidade, em épocas em que tudo se anunciava na praça pública, visto não existirem outros meios de publicidade. Do pouco que chegou até nós sobre os pregões ouvidos em Sesimbra, julgamos poder agrupá-los em quatro grupos diferentes, a saber:

Os relativos às coisas oficiais transmitidas por edital;
os que davam conhecimento dos objectos perdidos;
os que eram ouvidos aos rapazes que vendiam peixe pelas ruas;
e, por último, aqueles que englobavam a grande variedade de vendedores ambulantes.

Quanto aos primeiros, sabe-se que as principais deliberações, as posturas e regulamentos municipais chegavam ao público por meio de editais, que eram afixados nos lugares mais concorridos. Mas porque eram poucas as pessoas que sabiam ler, para que todas tivessem conhecimento e não pudessem alegar ignorância, os editais eram primeiro apregoados junto ao pelourinho ou na portaria da Câmara e, depois, nas principais ruas e largos da vila.

Relativamente aos segundos, o recurso ao pregão era então o principal meio para tentar a recuperação dos objectos perdidos. E aqui releva a figura do pregoeiro, o mais conceituado de todos não só pela sua voz mas também pela honestidade de que sempre dera provas. Era conhecido pela alcunha do “Caça Minas”, que lhe fôra dada em virtude de ter conseguido, desde muito novo, que fossem achados e entregues aos donos muitas coisas de valor, como relógios e objectos de ouro e prata. O pregão que usava, e terá sido bem sucedido, era bem simples no seu enunciado. “Dão-se alvíssaras a quem achar e entregar um objecto de grande estimação”. Indicava a seguir as características do perdido e, por vezes, o nome e morada do seu proprietário.

Aqueles que respeitavam à venda do pescado eram os mais característicos e exclusivos dos rapazes, alguns ainda crianças, que anunciavam de rua em rua um ou outro peixe, os quais, ou lhes eram oferecidos por algum familiar ou provinham do quinhão a que tinham direito como moços de alguma barca.

Empregavam a interjeição eia, no seu sentido valorativo e subiam o tom à última vogal ao mesmo tempo que prolongavam a sua pronúncia. Assim, umas vezes com um peixe espada suspenso numa das mãos, gritavam: “Eia aaaaaaaaaa… pêxe pada!” Noutras, o mesmo brado acompanhava o erguer de um prato sobre o qual mostravam outra espécie: “Eia aaaaaaaaaa … paxão!

Os da venda ambulante, que eram os mais frequentes, cruzavam-se por toda a vila anunciando uma variedade de produtos que incluía pão, carne, leite, queijos, frutas, hortaliças, legumes, carvão, lenha, passando por serviços como o do aguadeiro, do “ferro-velho”, do “funileiro à porta”, do “azeiteiro-petrolina”, até ao sazonal amolador que também consertava chapéus de chuva e sombrinhas.

E tudo isto originava um conjunto de entoações, gritos e estribilhos, com ritmos e modulações de vozes que suscitavam curiosidade e captavam atenções, animando o dia a dia da vida local. “Quem tem trapos que queira vender”, “É carvão ó meninas, e tem bolas!”, “Há escovas, pás do lixo, descanso para os ferros e pincéis baratos”!

Estes, e alguns outros, eram pregões que ainda se ouviam, com alguma frequência, num passado relativamente recente. Mas de todos, aquele que mais nos ficou na memória, talvez porque tantas vezes ouvidos na esquina da rua onde morávamos, foi o da venda da carne, que os rapazes da época gostavam de imitar nas suas brincadeiras.

Tá-se a vender a bela carne de vaca em casa do senhor António cortador, em frente da cadeia” (Câmara Municipal). “Tá-se a vender a bela carne de porco e chouriços, doces e azedos, em casa do senhor Emídio salcheiro (salsicheiro) na estrada” (Rua Cândido dos Reis).

Os antigos pregões e os respectivos pregoeiros reflectiam os usos e costumes dum outro tempo, em que o povo tinha grande e natural protagonismo, sendo a vida mais espontânea, mais tranquila, mais genuína e portadora da seiva vitalizante da identidade sesimbrense.

António Reis Marques