50 anos no mar

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A captura de várias toneladas de corvinas com pesos que variavam entre os 20 e os 30 quilos, em 2008, a bordo da traineira Pombinho, é um dos momentos marcantes da vida de António Cagica, o mais antigo mestre de traineira em actividade em Sesimbra. «Estavam a bordo homens com mais de 40 anos de mar que não queriam acreditar», recorda. Mas o entusiasmo inicial deu lugar a uma profunda tristeza. A lei impediu que o pescado fosse descarregado, porque as corvinas representavam mais de 20 por cento do total de espécies não pelágicas. Assim, a pescaria tornou-se num dos episódios mais amargos de uma vida inteira dedicada à pesca, deste timoneiro com 57 anos de vida e quase meio século a “andar ao mar”.

«Comecei com 7 anos numa pequena barca e aos 11 já era encarregado de terra», revela o lobo-do-mar, que em pequeno sonhou ser médico. Quis o destino que seguisse o mesmo rumo do pai. E não se arrependeu. «Aos 17 anos fui para o mar como moço pescador. Nessa altura, os moços eram chamados “cães do barco”», conta. «Descansávamos em cima dos aparelhos de pesca, sem condições, muitas vezes debaixo de chuva e mau tempo», explica. «Certo dia dei comigo a choramingar na viagem para o mar e quando cheguei a terra decidi que não queria aquela vida».

Sai então da pesca ao anzol e passa para uma traineira, onde evidencia uma capacidade de liderança invulgar. Apesar de ter apenas a quarta classe, aos 23 anos obtém a carta de Contramestre Pescador e assume a direcção da traineira Tainha, onde permanece durante cerca de 15 anos. Aqui passa bons e maus momentos. «O pior foi num dia que a embarcação partiu com vento de Sueste fraco para Norte do Cabo Espichel. Quando voltávamos com o peixe, o mar transformou-se de tal forma que partiu o barco», recorda. «Pedimos socorro e depressa sairam vários barcos de Sesimbra para nos ajudar. A embarcação ainda chegou ao porto, mas o seu destino foi o abate», recorda, aproveitando a história para enaltecer a coragem, a entreajuda e o espírito de solidariedade dos homens do mar.

«Nestes momentos é que nos apercebemos verdadeiramente da fibra de que são feitos.» Depois da Tainha seguiram-se 18 anos a comandar o Pombinho. Primeiro, o barco antigo e depois, o que lhe sucedeu, que permanece atracado ao cais, próximo da Princesa de Peniche, que governa desde 2009. Nestes 50 anos de vida no mar a tecnologia evoluiu e António Cagica foi-se adaptando aos novos instrumentos, como a sonda ou o GPS. Contudo, há “saberes” do pescador que nenhuma tecnologia substitui. «O pescador sabe que nos “quartos de lua” o peixe “vem à terra” e, por exemplo, quando uma Pardela (ave marinha) mergulha, é sinal de que pode haver peixe nas proximidades», revela. A experiência que adquiriu permite-lhe afirmar com legitimidade que conhece todos os locais de pesca, olhando apenas para os pontos de referência em terra.

No que respeita à preservação das espécies, compreende as medidas que tendem a garantir o futuro da vida marinha e confessa-se adepto de defesos biológicos, desde que haja compensações. «Sem este mecanismo o pescador não tem
meios de sobrevivência porque não tem acesso ao subsídio de desemprego quando o barco está parado», adianta.

No final da entrevista, a Princesa de Peniche solta-se do cais e ruma, mais uma vez, em direcção ao mar alto. Como sempre, António Cagica leva a esperança de voltar com peixe e com todos os seus companheiros em segurança.