Uma pescadora de Sesimbra

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Aos 35 anos a vida levou Heliodora Maria Carambola a romper convenções e a enfrentar uma das mais duras profissões que se conhecem. Hoje, aos 60, é uma mulher feliz, que sorri ao contar a sua história, e que nunca se arrependeu da decisão que tomou.

A determinação e coragem de Heliodora Carambola, 60 anos, fizeram com que se tornasse numa das poucas mulheres a enfrentar a arriscada profissão de pescadora de alto mar. Movida pela vontade de ajudar o marido e o sogro, proprietários do barco Pai do Céu, decidiu entrar para a companha da família, impedindo assim que o negócio se perdesse. Ainda hoje, cerca de 25 anos depois, se emociona ao recordar o momento em que surpreendeu tudo e todos com a sua decisão.

«Não podia deixar que a indústria criada com tanta dedicação terminasse por falta de pescadores para trabalhar», afirma. Ao lado do marido e do sogro iniciou uma nova etapa na sua vida, da qual se sente muito orgulhosa e só guarda boas recordações.

Mulher de garra e destemida, deixou bem claro desde o início que se conseguisse desempenhar as mesmas tarefas dos homens seria recompensada com o mesmo ordenado. «Nunca quis ser tratada de maneira diferente, por isso fazia tudo tal e qual como eles», refere. Orgulha-se dos seis anos que andou no mar, da camaradagem no barco e de nunca ter fraquejado nos momentos difíceis.

«Quantas vezes o meu sogro quis voltar para terra nos dias de mau tempo e eu nunca deixei», conta. «Tínhamos de ir em frente, porque não éramos menos que os outros», reforça. Apesar de partir todos os dias para alto mar às 4 da manhã e só regressar às 3 da tarde, Maria, como é conhecida pelos amigos, diz que nunca deixou de ter uma vida igual à de qualquer outra mulher e de se arranjar e cuidar como sempre fez. «Continuei a ir à cabeleireira, à ginástica e a fazer as minhas limpezas de pele», descreve. Para se proteger do sol, usava chapéu e protector. A sua opção de vida valeu-lhe a curiosidade da imprensa nacional, que várias vezes divulgou a história. «Uma vez foram comigo no barco, mas a jornalista vomitou tanto que mal se aguentava», frisa, acrescentado que nem todos têm «estômago» para aguentar o mar.

Para Heliodora, a dificuldade e o perigo nunca foram um obstáculo. Oriunda de uma família de pescadores da Azoia, começou desde pequena a aventurar-se pelas arribas das praias do Ribeiro do Cavalo e Lagosteiros para apanhar limo e ganhar algum dinheiro. Mas a vontade de partir à descoberta de uma nova vida e ter a sua independência fê-la deixar a casa dos pais com apenas 9 anos e procurar trabalho em Sesimbra. «Sempre fui assim, não tenho medo, só da morte, e nunca gostei de estar parada». Foi pelo facto de trabalhar desde muito nova e estar habituada a ter um ordenado, que não aguentou estar parada depois de uma avaria no barco e decidiu experimentar a restauração. Começou como ajudante de copa, depois passou para ajudante de cozinheira, mais tarde para cozinheira de terceira e acabou por tirar a carteira de cozinheira de segunda.

«Gosto sempre de subir os degraus e graças a Deus tenho conseguido chegar onde quero». Com um amor incondicional pela família, afirma que tudo o que fez foi para ser feliz e trazer felicidade aos que a rodeiam. «A felicidade fazemo-la nós com as nossas mãos», completa.