Nomes e Adágios da Vida Piscatória

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A linguagem tradicional sesimbrense, marcada pelo mar e moldada pelo estilo de vida dos pescadores, resultou das múltiplas vivências acumuladas ao longo dos tempos e transmitidas, oralmente, de geração em geração, tornando-se num verdadeiro glossário das pescas. Na variedade e riqueza dos seus termos, têm maior relevância os seguintes: aqueles que respeitam às funções da pesca, os que nomeiam os seus utensílios, e os que se referem ao estado do tempo. De cada um deles, aqui deixamos alguns dos mais significativos exemplos.

Quanto às funções, salientamos as do arrais e as do caneiro. Arrais é herança do árabe com o sentido de cabeça, chefe, capitão do navio. Ficou no vocabulário local designando, na tradicional pesca com aparelhos de anzol, o nome de topo da hierarquia dos pescadores, o dirigente da embarcação, o responsável pelas operações piscatórias e pela respectiva companha ou tripulação. Caneiro era o nome dado, antigamente, ao pescador que ia à proa do barco, donde se lançava a rede da arte de arrastar para terra, conhecida por xávega. Por caneiro ficaria também a ser conhecida a zona nascente da nossa praia, onde habitualmente pescavam as xávegas.

Sobre os utensílios temos por mais interessante a “chama”, ou seja o nome como designavam o tolete, um pedaço de madeira de forma cilíndrica, que se introduzia na chumaceira para nele ser ligado o estrovo do remo. Dado que utilizavam o tolete na chamada para o mar, deram-lhe o nome de “chama”, que ficou como termo genuíno e dois significados: um, o acto de chamar, o chamamento do pescador para as fainas da pesca, feito durante a noite; o outro, a pancada com a “chama”, uma chamada na porta ou poial da respectiva morada, quando o grito do moço chamador não se fazia ouvir.

Relativamente ao estado do tempo, ou às suas previsões, existe um grande número de locuções e adágios que exprimem aquilo a que poderíamos chamar de “meteorologia do pescador”, cujo saber foi adquirido na leitura atenta do grande, e sempre aberto, livro da natureza. Hoje todos temos informação, com antecedência e rigor, através das imagens por satélite transmitidas na televisão, sobre as previsões meteorológicas. O pescador de outros tempos apenas esperava que a natureza lhe fornecesse as indicações que, actualmente, a ciência divulga. Conhecendo, como ninguém, a influência lunar nos fenómenos das marés sabia que, de 15 em 15 dias, quando a lua está em conjugação ou em oposição com o sol (lua nova e lua cheia) haverá marés vivas. Quando está em quarto crescente ou minguante, a sua acção é contrariada pela do sol, provocando marés mais fracas ou marés mortas. As lunações, tal como os ventos, indicavam-lhe o possível estado do mar, condicionando as suas lides da pesca, visto que “roda na lua, chuva na rua”, “lua nova trovejada, trinta dias é molhada”, ou “lua deitada, marinheiro em pé, lua em pé, marinheiro deitado”.

Mas o seu saber não se confinava apenas às fases da lua, pois o conhecimento empírico que possuía passava também pela observação das nuvens, sua densidade e tonalidades, determinando a direcção dos ventos e sua velocidade. Assim, se a ventania soprasse forte do nascente, ele sabia que “vento de leste não dá nada que preste”, sendo igualmente certa que “ vento suão, chuva na mão; de Inverno sim, de Verão não”. E até a atenção prestada ao movimento das aves marinhas, no brusco aparecimento ou desaparecimento de algumas espécies, como as revoadas de gaivinas com o seu piar forte, lhes dava indícios de que o tempo iria mudar.

“Gaivotas por terra é sinal de vendaval”, era então um dos mais fiáveis e conhecidos adágios que, porém, não tem hoje o mesmo significado, dado que as gaivotas são vistas diariamente por terra dentro buscando a comida que lhes faltou no mar e na praia. Antigamente, quando as águas da baía eram férteis, era vê-las mergulhando para abicar o peixe que avistavam de longe, ou comendo os restos que, propositadamente, eram deixados na praia, após a intensa actividade da descarga e transporte do peixe que se vendia na antiga lota ao ar livre. Presentemente são consideradas indesejáveis, pelos dejectos que deixam cair sobre os telhados e ruas da vila mas, naquele tempo, mereciam a simpatia de todos pelo trabalho de limpeza que faziam, comendo todos os detritos do pescado que encontravam no areal.

António Reis Marques
in Sesimbra’Acontece de janeiro de 2012