A pesca das Albacoras

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A albacora é uma das espécies dos “peixes escombriformes” que se diferencia do atum, propriamente dito, pela sua barbatana peitoral muito comprida, nunca atingindo também a sua dimensão. É um peixe migrador, que se desloca periodicamente entre grandes distâncias. O seu corpo é alongado e fusiforme, com cor de um azul anegrado, no dorso, que vai esmaecendo até ao branco prateado do ventre. Aquelas que habitualmente eram pescadas pelas barcas de Sesimbra tinham um tamanho à volta de sessenta centímetros, e um peso médio de 4,5 a 5,5 quilos. Por vezes também se apanhavam exemplares bastante maiores, que chegavam a pesar mais de 10 quilos.

Desde sempre  que a captura dos tunídeos, em toda a sua variedade, foi uma das mais importantes práticas piscatórias na nossa terra onde, já no século XVI, existiam almadravas ou armações para o atum, peixe que era conservado pelo sal e exportado para longes terras. E, até um passado recente,a apanha das albacoras representava ainda uma das riquezas de Sesimbra.

Era assim por estas alturas do ano, entre Outubro e Novembro, que as albacoras apareciam em grandes cardumes, perto da nossa costa onde, por vezes, se mantinham até meados de Janeiro ou Fevereiro. A notícia da sua chegada que, com maior ou menor abundância e permanência se repetia ciclicamente, soava como uma manifestação de regozijo entre os pescadores da pesca do anzol, por ser prenúncio de pescarias quase sempre geradoras de bons rendimentos.

E as barcas da nossa frota, em número de algumas dezenas, levando a bordo caixas de sardinha, que servia de engodo e isco, faziam-se ao mar rumando a sudoeste ou a oeste do Cabo Espichel até aos locais que os pescadores bem conheciam, dadas as suas constantes buscas de bons pesqueiros. Lá chegados, davam início a um conjunto de pequenos actos, próprios da pesca para cada espécie, que representavam o corolário duma sabedoria acumulada e apurada ao longo de gerações. No caso das albacoras, punham a barca em andamento reduzido e um pescador, sentado na proa, lançava ao mar, a espaços regulares, uma sardinha que as ia engodando. Atraídas pelo engodo aproximavam-se cada vez mais da embarcação, até serem vistas mesmo junto à borda. Era chegada a altura de serem utilizados os aparelhos de linhas e anzóis que, nesta pesca, eram constituídos por canas da índia ou varas de eucalipto, onde se amarravam os fios de nylon, da extremidade dos quais caíam sobre a água os anzóis iscados, que iam correndo ao longo dos bordos da barca da proa para a ré.

As albacoras atiravam-se à isca, ficando presas nos anzóis, dos quais tinham sido previamente cortadas as respectivas barbelas, o que facilitava serem desferradas pelos pescadores que, num gesto rápido e vigoroso, as faziam cair no convés. É conhecida a preferência das albacoras pela sardinha, embora a sua extraordinária voracidade a faça lançar-se sobre qualquer tipo de isca, seja natural ou artificial, circunstância que, segundo os pescadores, facilita muito a sua captura.

A propósito, lembramo-nosde ter ouvido ao Emílio Correia Pinto, popularmente conhecido por “Mil Homens”, e hoje o único sobrevivente de um famoso grupo de quatro irmãos pescadores, membros da família dos “Ratinhos”, que em dias de grande abundância, onde pescavam mais de 1000 exemplares, depois de esgotada a sardinha, chegavam ao ponto de envolver os anzóis com cascas de laranja, com um pedaço de papel ou com qualquer outra coisa que tivessem à mão, na certeza de que os peixes se atiravam impetuosamente sobre a “isca”.

E cabe aqui recordar que foram exactamente “Os Ratinhos” uma das grandes referências dos antigos pescadores sesimbrenses, que num só dia de safra conseguiram o extraordinário feito de pescarem 2.100 albacoras, o maior lanço do historial da pesca das barcas do alto. Com a barca carregada, após uma longa e dura jornada de trabalho, regressavam à baía, onde depois procediam à descarga do pescado até ao local onde se fazia a lota.

E então, era digno de se ver aquele singular espectáculo da exposição das albacoras, alinhadas na areia da praia, quando as marés o permitiam, ou estendidas sobre o alcatrão do Largo da Marinha, aguardando a chegada dos licitantes que disputavam avidamente a sua compra, antevendo os bons negócios que aqueles peixes proporcionavam.

Porque delas se fazia uma apreciada conserva, todas as albacoras vendidas na nossa lota eram destinadas a fábricas de conservas de peixe, do norte ao sul do país, incluindo as de Sesimbra, que no mercado interno a comercializavam com o rótulo de similares de atum e, na exportação, com a designação internacional de “Thon Blanc”.

António Reis Marques
in Sesimbr’Acontece de novembro de 2008